Segurança pública é assunto de mulher negra
Neste país as maiores vítimas de violência policial são jovens negros e talvez as maiores lutadoras por justiça sejam mulheres negras, as mães. O ativismo dessas mulheres em busca de justiça é uma inspiração de força e nos desperta os mais fortes sentimentos de solidariedade. Porém, é o tipo de realidade desafiadora significativamente invisibilizada pelo Estado e sua contínua lógica de segurança pública pautada em enfrentamento direto.
Morrem jovens, inocentes ou não, e ficam suas famílias lamentando suas ausências. Morrem os próprios policiais, afinal temos as polícias que mais matam e mais morrem no mundo.
Um dos coletivos de mães mais antigos desde a democratização é o Mães de Acari, organizado como reação à chacina de 18 jovens (incluindo 7 menores) moradores da favela de Acari, zona norte do Rio de Janeiro, em 1990. Em julho de 2022 completará 22 anos dessa barbaridade. Classificamos como chacina compulsoriamente, porém até hoje os corpos não foram encontrados. Edméia da Silva Euzébio, liderança do movimento, foi emboscada e assassinada em 1993 e, segundo a denúncia que somente foi levada a julgamento em 2014, o coronel reformado da PM e ex-deputado estadual Emir Campos Larangeira foi o mandante. Não há notícias sobre sentenças.
Ainda em 1993, Emir e outros 32 policiais tiveram suas prisões decretadas (sendo inocentado posteriormente) como responsáveis por outra chacina, a de Vigário Geral, e no ano 2022, aos 75 anos, ele tornou-se o pré-candidato ao governo do Estado do Rio de Janeiro pelo PMB (Partido da Mulher Brasileira), perdendo sua indicação nas convenções partidárias para Wilson Witzel.
Qual é o contraponto a esse tipo de candidatura com história tão manchada? Há anos, candidaturas de mulheres negras denunciam nas tribunas os excessos e o padrão da violência policial no país que nunca trouxe um resultado final efetivo: a tão sonhada segurança. Lembramos que foi na gestão de Benedita da Silva no governo do estado em 2002 que findou-se a censura dos dados relativos à segurança, um significativo passo para gestão e para ação contundente de movimentos da sociedade civil e do próprio Ministério Público.
Hoje o Brasil possui 919.651 pessoas presas e em 2019 mais de 60% dessa população era preta ou parda e os todos os dados seguem reiterando que não há correlação entre prisões e redução da criminalidade, demonstrando que a insistência em políticas de encarceramento tem muito pouco compromisso com o bem estar social e uma perseguição desenfreada de corpos pretos, especialmente quando utilizadas em campanhas político-partidárias.
Antes de seu assassinato, Marielle Franco (RJ) coordenou a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro e presidia a Comissão da Mulher. Como relatora da Comissão Especial sobre a Intervenção Federal na Câmara de Vereadores do Rio, em 2016, posição assumida, inclusive, pelas reiteradas denúncias do Estado policial arbitrário vigente no Rio de Janeiro não apenas “defendeu bandidos”, como os ignorantes costumam dizer. Sua atuação também perpassou pelo contato direto com as famílias de policiais mortos e feridos dentro e fora de serviço. São inúmeros os relatos de que essas pessoas receberam apoio e uma atuação ativa de Marielle enquanto parlamentar defensora dos direitos humanos.
Nossa liderança no Rio de Janeiro, Rafaela Albergaria, além de sua reconhecida militância por direito à cidade e mobilidade urbana, é uma assistente social com acúmulos em pesquisa na segurança pública. Rafaela produz uma contundente crítica científica ao encarceramento em massa que não traz nenhuma luz aos problemas sociais. Este tipo de política, onde só há duas opções matar ou prender, transforma negros e pobres em um problema social em si mesmo. Ela observa que o aumento do aparelho carcerário no Brasil só é possível a partir de uma compensação: redução e corte de verbas sociais.
Em Pernambuco, a candidatura de Elaine da Silva, que integra a coletiva Pretas Juntas é a aposta do Estamos Prontas. Elaine é uma articuladora da RENFA (Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas) e ocupa a vereança na cidade de Recife onde conduz um debate público a respeito das consequências da chamada guerra às drogas.
Precisamos de novas políticas, verdadeiramente revolucionárias e centradas no bem viver. Mas como diz Anielle Franco, além de eleger, precisamos proteger essas mulheres em espaços políticos, já que em decorrência de seus mandatos as denúncias de ameaça são constantes, mas também em espaços privados. Segundo o 16º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado dia 02 de agosto de 2022, mesmo havendo uma queda de 1,7% na taxa de feminicídios, a desproporção segue sendo altíssima entre negras e brancas, onde 37,5% das são brancas e 62% são negras e nas demais mortes violentas intencionais, o número de negras chega a 70,7% e 28,6% são brancas.
Além do fator racial que chamamos a atenção, os dados sobre a autoria da violência são intrigantes. Ainda segundo o Anuário, "dos feminicídios, contudo, o principal autor é o companheiro ou ex-companheiro da vítima (81,7%)”, demonstrando uma notória vulnerabilidade feminina em relação a seus parceiros e em espaços privados.
É papel de cada cidadão defender a segurança e a liberdade de expressão, pois são elementos de sustentação de qualquer democracia. Estamos prontas para assumir essa posição nas casas legislativas, mas contamos com cada um de vocês para manter nossa esperança e nossa dignidade na vida. Nos confiando não apenas seus votos, mas também o futuro da democracia.