Este é um repositório narrativo das trajetórias de mulheres negras brasileiras em atuação na política institucional. Aqui estão reunidos textos, vídeos e fotos dessas importantes ativistas pelo aperfeiçoamento da nossa democracia.
NOSSO LEGADO, NOSSA HISTÓRIA
Há uma notória dificuldade em contar a história de personalidades racializadas no Brasil. Ainda hoje com diversos avanços no tema, o apagamento e a invisibilidade da genialidade e presença negra e indígena no Brasil é um fato.
Nos últimos anos a luta de mulheres negras receberam diversas homenagens e sinais de que estamos no caminho certo. Lélia González e seu conceito Améfrica Ladina foi tema do congresso do Latin American Studies Association e um dos seus artigos estava na nova Antologia de Pensamento Crítico Brasileiro pelo Conselho Latino Americano de Ciências Sociais (CLACSO). Ela também está nomeando o prêmio de manuscritos científicos da Associação Brasileira de Ciência Política. Angela Davis, histórica ativista dos movimentos sociais norte-americanos e atualmente professora na Universidade da Califórnia, ao passar pelo Brasil em 2019 a convite da Editora Boitempo declarou.
"Eu me sinto estranha quando sinto que estou sendo escolhida para representar o feminismo negro. E por que aqui no Brasil vocês precisam buscar essa referência nos Estados Unidos? Eu acho que aprendo mais com Lélia Gonzalez do que vocês poderiam aprender comigo. (...) De fato, se houvesse um país para representar todos os povos dessa região, deveria ser o Brasil e não os EUA" (Angela Davis , 2019 )
A imagem da mulher negra hoje pode ser vista como o retrato do Brasil verdadeiro. Representando 27,8% da população, nós estivemos em importantes iniciativas na criação de dados sobre as desigualdades raciais no Brasil (como o exemplo de Lélia) e ocupando cargos chave nos órgãos de governo destinados à mitigação da problemática do racismo.
Podemos citar aqui Sueli Carneiro que coordenou o Programa Nacional da Mulher Negra dentro do Programa Nacional dos Direitos da Mulher (órgão do Ministério da Justiça) em 1987, Vilma Lúcia de Oliveira, nome que não aparece no decreto, mas é reconhecida como peça fundamental na articulação Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade de São Paulo (primeiro do Brasil ligado às questões raciais) em 1982 e Vanda Maria de Souza Ferreira, a primeira titular da primeira Secretaria Estadual de Promoção de Desigualdade Racial do brasil (Rio de Janeiro), também sendo sub-secretária de Direitos Humanos e Sistema Penitenciário, diretora geral da Divisão de Educação e Cultura do Sistema Penal da Secretaria Estadual de Justiça do Rio, e teve passagens pela Secretaria Extraordinária de Defesa e Promoção das Populações Afro-Brasileiras, em substituição de Abdias do Nascimento, na Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres e Secretaria Municipal de Cultura nos anos de 1980 durante o governo Brizola.
Sueli Carneiro
Vanda Ferreira
Nossas lideranças do Estamos Prontas estão dando continuidade a esse legado homenageando estas e outras mulheres. Camila Valadão (ES) e Laura Sito (RS) já são vereadoras de suas cidades. Camila é a primeira vereadora eleita do PSOL no Estado, sendo a segunda candidata mais votada. Ela deu nome a seu mandato de Ilma Viana, a primeira mulher negra que concorreu para vereadora na capital capixaba aos 18 anos e uma das fundadoras do Círculo Palmarino.
Laura Sito tem apenas 30 anos e é a vereadora mais jovem da sua cidade, primeira mulher negra eleita em Porto Alegre e também a primeira mulher negra eleita para mesa diretora. Em novembro de 2021, assumiu a presidência da sessão solene em que homenageou, junto com a Bancada Negra composta por seis pessoas, diversas personalidades negras da sua cidade. Neste ato, suplentes negros assumiram os cargos dos vereadores eleitos de forma simbólica e falaram na tribuna sobre a importância de sua presença e a continuidade do legado negro da cidade, integrando-o ao legado da sociedade como um todo, afinal nossas ações são orientadas para o bem estar geral.
Não há progresso para o Brasil sem o avanço da equidade racial. Estamos há muitos anos nessa luta e perguntamos a cada eleitor: quando deixaremos de ser as as primeiras ou as únicas?
Estamos prontas para mudar isso!
Cobrar justiça pela morte de Marielle Franco
é um dever de todos!
O crime bárbaro contra Marielle Franco se soma a diversos assassinatos de políticos ou de pessoas ligadas à política no Estado do Rio de Janeiro (e no Brasil como um todo). De 2018 para cá, 26 políticos foram assassinados e outros tantos assessores ou suplentes. Há uma especial atenção para a Baixada Fluminense, local onde ocorrem em sua maioria. Em 2021, metade dos assassinatos ocorridos no Estado aconteceram em Duque de Caxias, município vizinho do Rio de Janeiro, fronteira com Vigário Geral, perdendo 10% dos seus vereadores (3 dos 30). É importante frisar que esses crimes seguem sem solução.
O primeiro ponto a ser destacado é que os Estados do sudeste tem uma super representação midiática, especialmente por seus crimes. Mesmo que, de acordo com os dados tanto do Atlas da Violência (IPEA), como do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Rio de Janeiro não esteja entre os mais violentos da federação, aqui e São Paulo possuem altos índices de Morte Violenta de Causa Indeterminada, isto é, a polícia não foi capaz de identificar a motivação. A morte precoce em si afeta a vida de todos os cidadãos pessoalmente, porém isso também ordena o pleno acesso a direitos, como ao de devido processo legal resguardado pela Constituição federal. Como assim pessoas morrem em quantidades alarmantes e a polícia deixa seus familiares sem respostas?
Além disso, em termos de política, é importante termos em mente de que a nossa democracia se organiza a partir das eleições que perseguem o ideal de representação. Se “para cada cidadão, um voto” e onde cada pessoa natural do Brasil tem o direito de intervir sobre as formas de organização do Estado, ordenamento orçamentário e etc., principalmente através das eleições, a morte de um político é um crime contra cada brasileiro. Quanto vale o seu voto? O quão grave é tirar o direito de 46 mil eleitores que acreditaram na proposta de Marielle e na sua capacidade de decisão e de tantos outros políticos eleitos?
O autoritarismo que vem crescendo no Brasil tem quebrado um pacto de tolerância mútua, um princípio básico da democracia e da convivência entre pessoas. Adicionado a isso, a naturalização da violência acaba por gerar uma insensibilização das mortes de políticos ocorridas dentro do Estado. Vidas de políticos não são mais importantes que a de qualquer outra pessoa, mas possuem significados específicos. Um deles é a própria violência contra seus eleitores, impossibilitados de exercerem seu direito de decidir o futuro do Brasil.
Ao apresentarmos 27 candidaturas, esperamos que cada cidadão também comprometa-se com a vida das pessoas que acreditam serem capazes de mudar o Brasil e construir juntas um futuro melhor para esta nação.
Ocupação política também é politização de território de favelas
“O fato de 87% das mulheres negras ocuparem empregos manuais melhorou, há mais diversificação da economia, porém, segundo o IPEA (2019) pelo menos 70% das recepcionistas, atendentes, profissionais de limpeza, telemarketing e, principalmente, empregadas domésticas são negras. “
Políticas de ação afirmativa de cunho racial no Brasil: uma história que ninguém te contou
“Há uma grande jornada dos movimentos sociais negros demandando políticas de ação afirmativa no país que visem reduzir as desigualdades sociais e raciais no país. Elas não são e não podem ser vistas como uma vitória específica de um partido ou espectro político e algumas de nossas lideranças são frutos dessa vitoriosa política que ainda pode e precisa avançar mais.”
Educação
“As principais estratégias do antirracismo brasileiro notadamente são o investimento em educação e a transformação de uma identidade subalterna (a de negra/o) em uma identidade política, como apresenta Diana Mendes em nosso livro A radical imaginação política das mulheres negras brasileiras.”
Realmente existe esse tal identitarismo?
"Politicamente, identidades públicas são sempre estratégias. Nesse sentido, a identidade mulher negra significa o que? Chamamos atenção antes de tratarmos dessa ideia propriamente dita é que mulheres negras nunca são eleitas apenas por serem mulheres negras.”
Quilombos e comunidades tradicionais
contra o Racismo ambiental
"Além de terem grupos específicos que mais sofrem, também há grupos que seriam estratégicos para a defesa nacional de nossa riqueza natural. Os indígenas e quilombolas são esses agentes.”
LEIA MAISTrabalhadoras rurais: trabalho e
política andam de mãos dadas.
“No universo das lutas trabalhistas no espaço rural, mulheres negras tem construído um legado por vezes apagado.
Lutas por moradia na voz
de mulheres negras
“Nos anos 60 Carolina Maria de Jesus ganhou notoriedade nacional a partir de seus escritos em formas de contos, crônicas e poemas a respeito de sua experiência com a fome, a pobreza e a favela. Mesmo hoje com diversas políticas assistenciais voltadas para as favelas (mesmo que insuficientes), o processo de ocupação irregular urbana não é tratado pela grande mídia como um problema de habitação e de direito à moradia, mas sim de segurança pública.”
Segurança pública é assunto
de mulher negra
“Lembramos que foi na gestão de Benedita da Silva no governo do Estado em 2002 que findou-se a censura dos dados relativos à segurança, um significativo passo para gestão e para ação contundente de movimentos da sociedade civil e do próprio Ministério Público.”
Acesso à saúde e a incidência política de mulheres negras
“No artigo de Saúde Pública e Mulheres Negras em Política em nosso livro A Radical imaginação política das mulheres negras brasileiras, Fabiana Pinto demonstra muito bem como a Reforma Sanitária Brasileira e o SUS tornaram-se o que são hoje, uma referência internacional, graças à atuação de mulheres negras nos parlamentos e fora deles.”
De 2018 para cá… E agora ?
Desde 2013 estamos vivendo aquilo que alguns sociólogos chamam de processo de abertura societária, um impulso que age na sociedade de modo geral e em suas instituições. Trocando em miúdos, seria o momento em que protestos políticos ganham tamanho e repercussão significativa que transbordam os limites dos setores mais mobilizados e invadem toda a sociedade. Diferentes perspectivas e reivindicações vêm a público, e tanto a esquerda, como a direita se encontram nesse imenso campo do fazer político. Projetos diametralmente diferentes ao fim com uma indignação em comum. Quando isto terminará e como, não sabemos!
É neste espaço-lugar que mulheres negras têm posicionado suas pautas políticas e ganhado repercussão nos últimos anos. “Diversas, mas não dispersas”. Há uma famosa foto de Marielle Franco (1979-2018) vestindo uma blusa com esses dizeres. Na foto, Marielle está diante da tribuna da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, discursando. Marielle foi eleita vereadora da cidade do Rio de Janeiro com 46.502 votos em 2016.
No dia 14 de março de 2018, Marielle foi assassinada. Ocupando o lugar de escândalo internacional, diversas forças políticas se mobilizaram a fim de cobrar uma solução a este crime bárbaro, possivelmente associado com as brigas que Marielle enfrentou contra as milícias cariocas que seguem ocupando imensos territórios na cidade. O assassinato segue sem solução definitiva. Passados quatro anos, Ronnie Lessa, ex-policial militar reconhecido como um dos matadores de aluguel do grupo chamado Escritório do Crime, foi preso, porém o mandante segue desconhecido.
No pleito deste mesmo ano seu partido de origem e outros lançaram diversas candidatas mulheres negras em um fenômeno à época chamado pela mídia de “efeito Marielle”. Quatro delas diretamente ligadas à figura da vereadora, sendo uma sua amiga pessoal e outras três ex-assessoras: Taliria Petrone, Mônica Francisco, Dani Monteiro e Renata Souza. Além dessas, Thaís Ferreira e Benny Briolly, ambas do PSOL carioca e niteroiense, e Tainah de Paula, pelo PT. Todas eleitas como deputadas estaduais e vereadoras, respectivamente. Porém, o que fez Marielle eleita? Com suas pautas, suas escolhas de assessoria, com seu corpo e expressividade? Partimos do entendimento que não há esse tal efeito quando falamos de mulheres negras politicamente organizadas; talvez isso exista para a cúpula dos partidos.
Mesmo que em menor número nos parlamentos brasileiros, apesar de serem parte do maior grupo demográfico nacional, mulheres negras continuam sendo indispensáveis ao fazer político neste país para quem quer fazer diferente desde sempre. Pensando nisso, no ano de 2022, o Mulheres Negras Decidem junto com Instituto Marielle Franco uniram forças e lançaram o projeto Estamos Prontas com objetivo de incidir direta e indiretamente nas eleições de presidência, governo estadual, ao senado, deputados federais e estaduais. Entendendo que as candidaturas às assembleias são forças de pressão interna para cargos do executivo, o Estamos Prontas está fornecendo uma espécie de mentoria através de dois processos: o desenvolvimento de habilidades e o reforço/adensamento de uma rede nacional e internacional, visando mudar a maneira como a pauta pública está estabelecida.
São 27 candidaturas que estão sendo construídas de 27 Estados componentes da federação comprometidas com a agenda democrática de esquerda porque fazer diferente não significa fazer qualquer coisa. Inclusive, dizer isto significa algo, como por exemplo: defesa dos direitos humanos, ampliação da cidadania, pluralização da participação na política institucional, políticas públicas de proteção à vida comprometidas com dados e valores universais, saúde para todos, educação para todos, segurança para todos, enfim, direitos para todos e não apenas para seletos grupos.
Votar em mulheres negras é votar em um grupo substancial da sociedade brasileira; há muitos anos responsáveis pela construção e edificação de quase tudo que, reconhecidamente, são marcos no avanço da sociedade brasileira, em especial nas áreas de saúde e educação.
Construímos uma história coletiva: mulheres negras e direitos LGBTQIA+
“O fato da primeira pessoa transgênero deputada no Brasil ser uma mulher negra (Érica Malunguinho) não é uma coincidência. Assim como a escolha de Marsha P. Jhonson como símbolo de luta e resistência da comunidade LGBTQIA + nos Estados Unidos também não é. Pessoas negras tem ocupado, historicamente, posições centrais na construção de um mundo melhor através de diversas frentes de militância e trabalho”