Realmente existe esse tal identitarismo?
É preciso saber que identidade é um dos temas centrais da filosofia. A ontologia, ou a “ciência do ser”, dedica-se ao debate a fim de entender quais são as características dos seres e das coisas, sua mutabilidade, sua permanência, singularidade e etc. Quais são as propriedades do ser? Não daremos seguimento a um texto filosófico, por assim dizer, mas é importante entendermos que identidade é o ser.
Dito isto, também é importante entender que as identidades humanas e o ato de atribuir características ao mundo sensível buscam compreender a natureza da realidade e da existência. Esse é um exercício fundamental da mente humana; assim, nós nos localizamos e construímos nossas visões e sensações. Estamos vivendo um período crucial da História em que algumas ideias antes consideradas universais estão sendo criticadas de forma mais contundente graças às novas tecnologias da comunicação. Termos genéricos, como cidadão ou homem (como sinônimo de espécie), já não são mais suficientes para exprimir os desejos de toda uma população. Não é que tenham se tornado obsoletos, mas estas identidades se mascararam de universais ao mesmo tempo em que permitem a invisibilização de problemas sociais graves, como a violência contra as mulheres e a dificuldade de garantir plenamente direitos e acesso a bens públicos a todas as pessoas independentemente de sua raça, gênero ou classe.
Foi possível perceber que a própria noção de cidadão já é uma identidade? Como membro de um Estado, a noção de cidadania não é universal e atemporal. Refere-se a um relacionamento político específico dotado de características super modernas que não fariam sentido de serem reivindicadas em outro contexto, como por exemplo, o próprio direito de votar e ser votado.Politicamente, identidades públicas são sempre estratégias. Nesse sentido, a identidade mulher negra significa o que? Chamamos a atenção, antes mesmo de tratarmos dessa ideia propriamente dita, é que mulheres negras nunca são eleitas apenas por serem mulheres negras. Paradoxalmente, essas pessoas, apenas por terem um gênero e uma cor, enfrentam enormes desafios sociais de sobrevivência de modo geral, e mais especificamente, de visibilidade, permanência e segurança em espaços de poder.
Quando uma liderança “mulher negra” se levanta, ela sinaliza que suas características estão entrando em espaços que são naturalizados como ambiente comum de homens brancos. Não raro, sua fala e seu trabalho na história do Brasil orientam-se à antidiscriminação de todo tipo. Sendo assim, talvez nenhuma outra identidade tenha tão longa história no Brasil de compromisso público com a igualdade real, um valor universal. Mulheres negras são parte componente da maior população brasileira, a de pessoas pretas e pardas. O entendimento de que o racismo é estruturante da sociedade brasileira foi demonstrado pelos dados e também politicamente por diversos atores do movimento social negro que têm construído candidaturas capazes de solucionar este problema significativo.
Nesse sentido, a identidade de mulher negra, como todas as outras, chamam a atenção para nossas estratégias de sobrevivência e de vivência no Brasil, os problemas e os acertos do país e acima de tudo nosso compromisso com uma sociedade mais justa e não a sua ruptura.