Quilombos e comunidades tradicionais contra o Racismo ambiental
Recentemente, com os assassinatos de Bruno Araújo e Dom Philips na região norte do Brasil, o tema meio ambiente ganha novo capítulo. Como indigenista e jornalista de carreiras consolidadas, mais uma vez um assassinato coloca este país nas manchetes do mundo.
Atuando em regiões distantes das nossas metrópoles, Bruno estava comprometido em ajudar povos indígenas a se protegerem e denunciarem invasores de suas terras e Dom estava no processo de escrita de um livro sobre as ameaças que a floresta tropical tem enfrentado.
Paralelo a essa tragédia também há ventos de esperança na América Latina. A eleição em 2022 de Francia Marquez como vice-presidente na Colômbia acena não apenas para importância de paridade de gênero e raça na política institucional de nossos países, como também para o ativismo ambiental. Advogada, Francia tem uma reconhecida história na atuação em proteção do meio ambiente e de territórios ancestrais. Ao liderar o movimento popular contra a exploração mineral, o reconhecimento internacional desta luta chegou no momento da premiação Goldman (considerado o "Nobel do Meio Ambiente"), em 2018.
No início de março deste ano, o Mulheres Negras Decidem e o Instituto Marielle Franco integraram a comitiva de movimentos negros brasileiros rumo à Colômbia e ao Chile para fortalecer o ativismo latinoamericano feminista e antirracista. Essa viagem proporcionou o encontro e o entrosamento de agendas entre nós e a agora vice-presidente colombiana. Também por lá ocorreram encontros com lideranças e coletivos de comunidades tradicionais envolvidas com a defesa de territórios indígenas e quilombolas de invasores devastadores da terra e do ambiente.
Também não é possível falar de ecologia nesse país sem citar o nome de Marina Silva e sua trajetória de vida. Marina é oriunda do Acre e uma das fundadoras da CUT (Central Única dos Trabalhadores) de seu estado em 1985. Eleita vereadora em 1988, deputada federal em 1990 e senadora em 1994 e 2002 com históricas votações, Marina é ambientalista e primeira voz do Congresso a cobrar do Governo Federal responsabilidade e plano de ação na redução da emissão de gases do efeito estufa. Sua postura e história a levaram a assumir o Ministério do Meio Ambiente, em 2009.
Marina Silva, Deyse Oliveira e Vera Lúcia são as únicas candidatas mulheres negras que concorreram nos últimos pleitos ao Executivo Federal.
De certo as questões ambientais afetam a todos os seres vivos do planeta, mas impactam alguns seres humanos mais que outros. O termo racismo ambiental é primo-irmão da injustiça ambiental e surge do entendimento de que o fenômeno de degradação do ambiente deveria ser compreendido em sua matriz social. Isto é,não basta identificar a ação humana, mas é preciso também mostrar quem são as pessoas mais vulneráveis aos efeitos dessas ações. Assim, extrapolando o que aprendemos na escola sobre o esgotamento de recursos finitos e a importância da coleta seletiva, há um alerta para o fato de que os recursos naturais são partilhados de maneira desigual e os efeitos da exploração das pessoas e da natureza pelo modo de produção capitalista também são sentidos de maneiras distintas.
Esse fenômeno acontece em sociedades mais isoladas, como no caso dos indígenas do Amazonas, mas também nas grandes metrópoles. Recentemente, Flávio Rocha conduziu uma etnografia sobre os efeitos das operações da Companhia Siderúrgica Atlântica, a maior produtora de aço da América Latina, no bairro de Santa Cruz, periferia da cidade do Rio de Janeiro, localizado na Zona Oeste. Um local dominado por milícias e conhecido pelos piores índices de desenvolvimento humano do estado, os piores indicadores de pobreza e uma população 65% negra. Essa empresa alemã chegou à localidade destruindo cerca de 1,5 hectares de mangues considerados áreas de proteção permanente, além de ter expulsado cerca de 75 famílias ligadas ao MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra). A conclusão: a baía de Sepetiba recebe os restos industriais deste e de outros empreendimentos do complexo industrial, o que afeta diretamente os pescadores da região e a poluição do ar tem trazidos prejuízos reconhecidos à saúde dos moradores. Santa Cruz até o ano de 2019 mostrava taxas de concentração de poluição superiores ao recomendado pela OMS e superiores às demais regiões da cidade.
Além de terem grupos específicos que mais sofrem, também há grupos que seriam estratégicos para a defesa nacional de nossa riqueza natural. Os indígenas e quilombolas são esses agentes. A importância da demarcação de terras no Brasil, além de ser instrumento de preservação de identidades, conservando o caráter multicultural do nosso país, também é uma estratégia de redução do desmatamento e diminuição do efeito estufa.
Mulheres negras nos últimos anos têm se inserido no debate do meio ambiente e da sua preservação de diversas formas. Contamos com a presença marcante de Taliria Petrone (PSOL-RJ) como membra da Frente Parlamentar Ambientalista e o tema de que comunidades tradicionais são sustentáveis também é um dos maiores argumentos de diversas lideranças de religiões de matriz africana no país. Sob liderança majoritariamente feminina, a ideia de que orixás são a natureza é um potente ideal que organiza comunidades inteiras de pessoas e, consequentemente, conscientiza a sociedade sobre a temática. No Estamos Prontas as lideranças do Amapá, Goiás, Paraíba, Piauí e Sergipe são originárias de quilombos e/ou terreiros e estão envolvidas na defesa desses espaços e estão dispostas a mudar a imagem mainstream do movimento. Suane Brazão (AP) traz o importante debate sobre a presença negra no Norte do país, possuindo um relacionamento com 5 dos 62 territórios quilombolas de seu estado.
Ao trazer este debate para mais próximo, além das grandes calamidades como a ocorrida em Mariana (MG), torna-se possível um melhor dimensionamento do problema e a própria identificação da população com lideranças que têm esta causa como pauta. Lucilene Kalunga (GO), como o seu nome já diz, é oriunda do Quilombo Kalunga, considerado o maior em extensão territorial do país, resistindo há cerca de 300 anos. O território foi reconhecido por um programa ambiental da ONU em 2021 como o primeiro Território e Área Conservada por Comunidades Indígenas e Locais (Ticca) do Brasil. Lucilene pauta o acesso à saúde de sua comunidade e foi coordenadora da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de Goiânia e coordenou o projeto Parlamento Jovem. Também foi Secretária Municipal de Igualdade Racial de Cavalcante entre os anos 2009 e 2010.
Bianca Quilombola (PB) está em busca do reconhecimento oficial de seu território no bairro Cruz da Menina, organizando meninas e crianças através da dança e da conscientização racial. Rosalina Quilombola (PI) é uma referência na luta por direitos quilombolas e integra a coordenação nacional do CONAQ (Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos). Moradora do Quilombo Tapuio é conhecida como Maria do Povo e também é fundadora do Sindicato dos Trabalhadores(as) Rurais de Queimada Nova.
Iyá Lígia de Exu (Mãe Lígia) (SE) é fundadora do Fórum Estadual de Mulheres Negras, também coordena o Fórum Sergipano dos Povos Tradicionais de Matriz Africana. Sua luta contra a intolerância religiosa articula-se com as pautas sobre meio ambiente à luz das lutas por pertencimento e acesso a espaços sagrados, como santuários em meio à natureza e a luta pela importância dos povos tradicionais na preservação da biodiversidade. Sua candidatura em si foi decidida e desenvolvida junto de lideranças evangélicas, do povo cigano e do Quilombo Maloca (o primeiro quilombo urbano do Sergipe). Iyá, integrando o Movimento de artesãs e artesãos negros, também traz a arte e sustentabilidade entrelaçadas de sua história pessoal impressas em sua candidatura.
Estas são algumas das muitas mulheres negras envolvidas em todo esse processo de longuíssimo prazo e de suma importância para o presente e o futuro de nosso país.